App de IA que recria pessoas falecidas causa polêmica global
IA que ‘revive’ pessoas falecidas viraliza e levanta debate sobre os limites da tecnologia
Imagine poder conversar de novo com alguém que você perdeu. Agora imagine essa conversa acontecendo na tela do celular, como se a pessoa estivesse ali, respirando, olhando nos seus olhos, respondendo em tempo real.
Esse é o cenário que levou milhões de pessoas ao choque, à curiosidade e até ao desconforto com a nova tecnologia que promete transformar o luto.

O app que viralizou: reencontros digitais que confundem a emoção
Tudo começou quando a startup responsável pelo aplicativo 2Wai publicou um vídeo demonstrando seu recurso mais polêmico. No registro, uma mulher grávida interage com uma versão digital da própria mãe, já falecida. A cena evolui e mostra até uma criança conversando com a avó virtual.
O vídeo, publicado pelo cofundador da empresa, Calum Worthy, ultrapassou 40 milhões de visualizações na rede X. Worthy ficou conhecido por sua atuação na série Austin e Ally do Disney Channel, o que só aumentou o alcance do material.
A repercussão foi instantânea.
“Essa é uma das coisas mais vis que já vi”, escreveu um usuário, refletindo a inquietação geral.

Como funciona o 2Wai e por que ele está assustando tanta gente
Para criar um avatar digital, chamado pela empresa de “HoloAvatar”, é necessário gravar previamente um vídeo da pessoa real. Esse vídeo serve de base para que a IA simule voz, expressões e padrões de fala.
O app também permite criar avatares de “personagens” fictícios, como coaches, personal trainers ou escritores, ampliando seu uso para além do luto.
Ele está disponível apenas para iPhone nos EUA, por meio da App Store, e a empresa promete uma versão para Android em breve.
Segundo a startup, o sistema suporta mais de 40 idiomas, embora não haja confirmação sobre o suporte ao português do Brasil.
O alerta dos especialistas: ilusão de realidade e risco psicológico
A psicóloga e psicanalista Mariana Malvezzi, da faculdade ESPM, levanta um ponto que virou centro do debate:
“A mesma tecnologia que oferece companhia pode gerar confusão entre o real e o simulado, criar dependência afetiva e, em alguns casos, amplificar a angústia.”
Segundo Malvezzi, o grande perigo está na “ilusão de realidade”. Para quem está fragilizado, a IA pode transformar o luto em uma experiência confusa, impedindo o processo natural de elaboração da perda.
Uma pesquisa recente da ESPM mostra que um em cada quatro brasileiros se imagina usando IA para conversar com familiares falecidos.
A grief tech está se espalhando rapidamente pelo mundo
Esse tipo de tecnologia, conhecida como grief tech, já ultrapassou a fronteira do entretenimento.
Nos EUA, a criação de avatares digitais já foi usada até em um julgamento no Arizona. Uma vítima de homicídio, representada por IA, “falou” durante a audiência, conforme relatado pela agência Associated Press.
Em outro caso polêmico, o jornalista Jim Acosta, ex-âncora da CNN, realizou uma entrevista com um avatar digital de Joaquin Oliver, jovem morto no massacre de Parkland. A cena foi divulgada no YouTube e dividiu opiniões pela carga emocional e pelo nível de realismo.

O que essa tecnologia revela sobre o futuro?
A ideia de conversar com quem já se foi toca em uma das emoções mais profundas do ser humano: a falta.
Se por um lado a tecnologia promete consolo, companhia e até reconexão, por outro traz uma pergunta inquietante:
Estamos realmente preparados para conviver com versões digitais daqueles que já partiram?
A grief tech está só começando, e ainda não sabemos se ela será lembrada como uma ferramenta de cura ou como uma porta perigosa para a distorção da realidade.
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