De onde vem a uva-passa que causa polêmica nas ceias do Brasil?
Uma pequena fruta capaz de causar grandes discussões
Ela aparece discretamente no arroz, no panetone, na farofa e no salpicão. Basta surgir na ceia para provocar reações extremas: amor incondicional de um lado, rejeição imediata do outro. A uva-passa talvez seja o ingrediente mais controverso do Natal brasileiro. Mas, para além das piadas e disputas familiares, existe uma história longa, técnica e curiosa por trás dessa fruta enrugada.
A pergunta que muita gente nunca se fez é simples: de onde vem a uva-passa que chega à mesa do brasileiro?
Antes de dividir opiniões, a uva-passa passa por um processo longo e delicado.

Por que o Brasil quase não produz uva-passa?
Apesar de o Brasil ser um grande produtor de uvas frescas, a produção nacional de uva-passa é bastante limitada. O principal motivo está no clima e nos custos envolvidos na desidratação da fruta. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, existem apenas pequenas produções artesanais espalhadas pelo país, feitas por poucos produtores.
O clima ideal para secar uvas é o desértico, com calor intenso e umidade extremamente baixa. Embora o Nordeste brasileiro seja uma região seca, ele ainda apresenta um nível de umidade maior do que o necessário para uma secagem eficiente em larga escala. Já a alternativa industrial, que envolve fornos, esbarra em outro obstáculo: o alto custo da energia elétrica no país.
Argentina lidera o fornecimento para o Brasil
Sem condições competitivas para produzir internamente, o Brasil importa praticamente toda a uva-passa que consome. Entre janeiro e novembro de 2024, mais de 20 mil toneladas da fruta entraram no país, movimentando cerca de 48 milhões de dólares.
Mais de 70% desse volume veio da Argentina. A proximidade geográfica, os custos menores de transporte e os acordos comerciais do Mercosul ajudam a explicar esse domínio. O país vizinho figura entre os dez maiores produtores mundiais de uva-passa, atrás de gigantes como Turquia e Estados Unidos.
O ponto certo da colheita faz toda a diferença
Para virar uma boa uva-passa, a fruta precisa ser colhida no momento exato de maturação. A colheita precoce compromete o sabor, deixando a passa mais ácida e menos doce. Quando colhida madura, a uva concentra açúcares naturais que garantem o sabor característico do produto final.
Do ponto de vista nutricional, a uva-passa mantém praticamente os mesmos benefícios da fruta fresca. A grande diferença está na água: durante o processo de desidratação, a uva perde cerca de dois terços do seu peso original, concentrando fibras, açúcares naturais e minerais.
A uva-passa não ganha nada novo, ela apenas perde água e concentra o que já existia.

Como a uva vira uva-passa?
Existem basicamente dois métodos para transformar uvas em passas. O mais tradicional é a secagem ao sol, semelhante ao processo usado no café. As uvas são espalhadas em esteiras ou plataformas e precisam ser reviradas periodicamente para secar por igual. Esse método exige clima quente, seco e constante, o que favorece países com regiões desérticas.
A segunda opção é a secagem em fornos industriais. Nesse caso, as uvas passam por lavagem, retirada da oleosidade da casca e, em algumas indústrias, por um tratamento que ajuda a preservar a cor. Depois, seguem para bandejas aquecidas, onde o processo pode levar até três meses. Ao final, as passas são lavadas, centrifugadas e selecionadas antes de serem embaladas.
Apesar de mais controlado, esse método se torna caro no Brasil justamente pelo custo energético, o que torna a uva-passa importada mais competitiva.
Uma fruta simples com uma história complexa
Da videira ao prato, a uva-passa percorre um caminho muito maior do que aparenta. Ela depende de clima específico, paciência no processo e uma logística internacional bem ajustada para chegar à ceia brasileira.
Seja amada ou rejeitada, uma coisa é certa: a uva-passa não está ali por acaso. Ela carrega tradição, técnica agrícola e um longo processo de transformação que começa muito antes da discussão na mesa de Natal.
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