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Aparecida,20/12/2025

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Andre Tomazetti

Uma farmácia ao lado da outra. É lavagem de dinheiro?

Será meu Deus?


Uma farmácia ao lado da outra. É lavagem de dinheiro?

Quem passa pela Avenida Independência, na região do Aparecida Shopping, já deve ter vivido a mesma sensação de que algo estranho está acontecendo. Em um trecho de menos de 600 metros, aparecem oito farmácias lado a lado, como se alguém tivesse decidido montar uma espécie de corredor farmacêutico. Muita gente olha aquilo e solta: tem base não, só pode ser lavagem de dinheiro. A resposta curta é não, não é esquema de lavagem de dinheiro. A longa envolve uma lógica nada romântica e bastante estruturada que explica por que estamos vendo esse fenômeno se espalhar por Aparecida e por tantas outras cidades brasileiras.

Nos últimos anos o setor explodiu, em 2024 o país abriu em média 22 novas farmácias por dia e o faturamento passou de R$ 200 bilhões, o que não acontece por acaso, já que o Brasil está envelhecendo, a população idosa consome mais medicamentos, os jovens também passaram a usar mais remédios, especialmente os Venvanse e Zolpidem da vida, a telemedicina facilitou a emissão de receitas e, ao mesmo tempo, as farmácias deixaram de ser um balcão com comprimidos atrás e se transformaram em uma mistura de loja de conveniência, mini clínica e ponto de e-commerce, vendendo cosméticos, vitaminas, produtos de higiene, dermocosméticos, snacks e oferecendo serviços como vacinas e testes rápidos em ambiente climatizado e bem iluminado, muito mais convidativo do que aquela imagem antiga de balcão e vidro fosco.

Só que nada disso, por si só, explica por que uma farmácia abre (às vezes literalmente) ao lado da outra, e é aí que entra a estratégia das grandes redes, que mantêm equipes especializadas em mapear as cidades em busca dos melhores pontos, observando fluxo de carros e pessoas, proximidade com shopping, polos comerciais, unidades de saúde, paradas de ônibus e cruzamentos movimentados, e quando encontram o lugar certo costumam acionar investidores imobiliários locais, que constroem o prédio sob medida para a operação (Built-to-Suit, ou BTS), enquanto a rede entra apenas com a marca, o estoque e o contrato de locação de longo prazo, sem precisar comprar o imóvel nem imobilizar capital em obra, o que torna a expansão muito mais rápida e menos arriscada para o grupo.

A partir daí faz mais sentido entender por que uma rede se instala colada na outra, já que abrir ao lado de um concorrente não é um erro, mas uma forma de disputar diretamente o fluxo que já existe, usando preços mais agressivos, maior variedade de produtos, programas de fidelidade baseados em dados de consumo e campanhas constantes, e nessa briga a pequena farmácia de bairro, que não tem o mesmo poder de negociação com fornecedores nem o mesmo fôlego financeiro, acaba ficando para trás, tanto que das quase 8 mil farmácias que fecharam no país em 1 ano, mais de 87% eram independentes, o que mostra que o jogo está cada vez mais concentrado nas mãos de quem consegue operar em escala.

A Avenida Independência é quase um estudo de caso dessa lógica funcionando ao vivo, porque reúne tudo o que essas redes procuram, com grande circulação de pessoas, acesso fácil por transporte público, presença de um shopping que puxa movimento, comércio forte no entorno, bairros cada vez mais densos ao redor e muita visibilidade para quem passa de carro ou a pé, de modo que qualquer analista de expansão carimba esse trecho como prioridade, e quando um ponto assim aparece no mapa, não há desconforto em dividir a quadra com outras 3, 4 ou 7 farmácias, desde que a rede se sinta capaz de capturar uma fatia maior do fluxo e, se possível, espremer quem já estava ali antes.

Quando tudo isso é somado, a história da “lavagem de dinheiro” perde bastante força, não porque o mundo seja um lugar puro, mas porque não é preciso inventar uma conspiração para explicar um setor que fatura mais de R$ 200 bilhões por ano, tem demanda garantida por causa do envelhecimento da população, da piora da saúde mental e da cultura da automedicação, e funciona apoiado em contratos imobiliários longos, planejamento territorial e muita análise de dados, ou seja, é o capitalismo operando em alta rotação, explorando cada esquina que ofereça oportunidade de transformar fluxo de gente em fluxo de caixa.

O futuro imediato aponta para mais pontos comerciais, mais serviços e mais disputa por território, já que, enquanto em países como os Estados Unidos algumas redes começam a fechar lojas físicas depois de décadas de expansão, aqui o movimento ainda é o de abrir, e Aparecida, com seu crescimento rápido, acaba virando palco ideal para esse tipo de ocupação, o que significa que, se hoje a Independência tem 8 farmácias em menos de 600 metros, não é absurdo imaginar que logo surja uma nona, não por magia negra nem por dinheiro ilícito, mas porque, na planilha de alguém, ainda faz sentido colocar mais uma placa iluminada naquela mesma calçada.




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